A disputa entre aviação comercial e geral pelo direito ao uso da infraestrutura de Congonhas – Os fatos que nos trouxeram até aqui

O Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, é a infraestrutura aeroportuária mais escassa do país, ao lado do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Seus slots – direito de uso da pista de pouso e decolagem em determinados intervalos de horários ao longo do dia – é um dos ativos mais valiosos e disputados pelas companhias aéreas. Atualmente, cerca de 80% desses slots (32 ou 33 por hora, dependendo do horário) são destinados à aviação regular/comercial e aproximadamente 20% destes (8 slots/hora: 6 para a pista auxiliar e 2 para a principal) compõem a cota da aviação geral/BizAv, também conhecida como “não-regular” – um nome horroroso, pois parece que se trata de algo irregular, mas na verdade quer dizer que as operações não ocorrem com regularidade, como na aviação comercial, que sempre opera em dias e horários fixos (“regulares”), previamente determinados.

Os slots da aviação comercial têm características operacionais completamente diversas dos slots destinados à BizAv. Os primeiros, determinados pela ANAC, seguem as características de regularidade apontadas acima, ou seja: cada slot se refere a um voo específico de uma determinada companhia aérea. Já os slots da BizAv são geridos pelo CGNA-Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea, órgão do DECEA-Departamento do Espaço Aéreo, e são “genéricos”, o que significa que podem ser utilizados por qualquer operador privado ou de táxi aéreo, de acordo com as necessidades. Há, inclusive, um sistema informatizado que controla as reservas e usos dos slots da BizAv, uma vez que estes, por definição, não possuem regularidade.

A quantidade de slots e sua distribuição são definidos pela declaração de capacidade do aeroporto: um documento aprovado pelas autoridades aeroportuária (hoje, Infraero; no futuro, a Aena, vencedora do leilão de concessão do Aeroporto de Congonhas) e de controle de tráfego aéreo (DECEA), e verificado pela ANAC). Hoje, os slots de Congonhas estão limitados a um máximo de 41 movimentos/hora, número que deve subir para até 44 movimentos/hora a partir de 2023, quando deverá haver um desbalanceamento entre as cotas da aviação geral, que permanecerá com 8 slots e a aviação comercial, que abocanhará todos os slots adicionais (3 mov/hora).

A divisão de slots entre os segmentos é um “jogo de soma zero” entre a aviação comercial e a BizAv. Isso significa que, para que a aviação comercial aumente sua valiosa cota de slots, necessariamente a BizAv necessita diminuir sua parte, e vice-versa. É daí que nasce o conflito entre os dois segmentos, disputa cuja origem se perdeu no tempo, mas que vem se acentuando em tempos recentes e, neste momento de retomada da aviação pós-pandemia, está tomando contornos de uma verdadeira guerra, cujas principais armas são a informação e a contrainformação. Este é o cenário do campo de batalha, passemos agora aos últimos lances dos combates:

Em 13 de setembro último, uma aeronave de transporte aeromédico realizando uma operação de remoção de paciente grave teve um pneu estourado quando deixava a pista principal e ingressava na pista de táxi, no Aeroporto de Congonhas. Isto gerou o “fechamento do aeroporto” (tecnicamente, o correto seria dizer que o aeroporto ficou impraticável) por cerca de 50 minutos, o que evidentemente gerou impacto nas operações de Congonhas – de todos os segmentos, frise-se. Este evento foi o estopim da crise, iniciada pelo artigo do CEO da Latam, Jerome Cadier, no LinkedIn duas semanas atrás. Ainda sobre o evento de 13 de setembro, o CEO da Latam voltou às críticas à aviação geral em sua participação no AIrConnected, em 04 de julho, quando esgrimiu os mesmos argumentos postados no LinkedIn.

Em 09 de julho ocorreu o evento que levou ao ápice do conflito entre a aviação comercial e a BizAv. Aproximadamente às 13:30h, um Learjet 45 teve os pneus estourados durante o pouso, tornando Congonhas impraticável até ao 22:30h, com forte impacto em toda a malha aérea nacional. No dia seguinte, o CEO da Latam volta à carga em suas críticas à aviação geral em sua conta do LinkedIn com um texto muito mais agressivo que o anterior, assim concluído: “Aqui deixo minha pergunta final para vocês: o que mais deve acontecer em Congonhas para que decidam não operar com aviação de pequeno porte em um aeroporto tão central para toda a malha aérea do país?”. Pouco tempo depois, a ABEAR-Associação Brasileira das Empresas Aéreas, entidade cuja presidência do conselho também é exercida pelo Sr. Cadier, publica seu texto Posicionamento ABEAR sobre situação em Congonhas, no mesmo diapasão do artigo do CEO da Latam no LinkedIn.

No mesmo dia, a ABAG-Associação Brasileira da Aviação Geral e a AOPA-Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves contra-atacam com a Nota de Posicionamento: A verdadeira vocação de Congonhas é servir a aviação regional e a aviação de negócios! e Incidente em Congonhas: ABEAR dá opiniões infundadas. A publicação do CEO da Latam no LinkedIn também recebeu inúmeros comentários contrários ao seu posicionamento, como se pode ver nesta compilação:

A seguir, algumas das matérias veiculadas na imprensa sobre o caso ontem (10/10) e hoje (11/10): R7, O Globo, Exame, CNN e Yahoo/Folhapress.

Estes são os fatos que nos trouxeram até aqui. Deixaremos as análises para um futuro artigo. Não percam!

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