Aviação de Negócios no Brasil

A aviação comercial ou de linha aérea é um segmento aeronáutico facilmente identificável, inclusive por quem não atua na área. Um pouso de um Boeing 737 da Gol, por exemplo, é rapidamente reconhecido como sendo uma operação de linha aérea; assim como a decolagem de um caça Gripen da Força Aérea é, inequivocadamente, uma operação da aviação militar. Entretanto, quando um monomotor Cessna Grand Caravan taxia na pista, poucos saberiam dizer de qual segmento é aquela operação. Caso fosse um Caravan das Forças Armadas, seria fácil identificá-la como uma operação militar: bastaria notar que a matrícula da aeronave é da FAB (sem contar a pintura peculiar). Mas se a matrícula fosse da aviação civil brasileira, iniciada pelas letras PP, PT, PR, PS ou PU, isto seria um pouco mais complicado.

De acordo com os Regulamentos Brasileiros de Aviação Civil (RBAC), o Caravan do exemplo acima poderia estar realizando uma operação da aviação geral, de táxi aéreo ou até de linha aérea, dependendo de alguns fatores. Isso gera confusão na maneira como se classificam as atividades da aviação de aeronaves de menor porte no Brasil, que este artigo pretende esclarecer.

Existe uma classificação oficial para atividades da aviação civil, formalizada por um documento da ICAO, mas esta não reflete com precisão a maneira como são, na prática, classificadas as operações aéreas no Brasil. Exploraremos as duas maneiras de classificar as atividades da aviação civil: a da ICAO e a prática brasileira, detalhando a classificação das operações da “aviação de negócios”, um termo abrangente que categoriza melhor as atividades da aviação “não-linha aérea de grande porte” conforme ocorrem em no país.

Nota:

Para referências formais sobre este assunto, favor verificar a bibliografia apresentada ao final deste artigo. Algumas informações e termos mencionados podem estar desatualizados devido à recente alteração do CBA-Código Brasileiro de Aviação (Lei 7.565/1986) promovida pela Medida Provisória 1.089/2021, e serão corrigidas em texto próprio referenciado nos comentários do post caso tornem-se permanentes. Referências bibliográficas sobre regulamentos da ANAC estão nos respectivos hyperlinks. O Doc da ICAO encontra-se referenciado no respectivo esquema.

Classificação ICAO

Principais diferenças entre a classificação da ICAO e a prática do Brasil:

  • Tanto o táxi aéreo quanto a aviação privada são usualmente entendidos como pertencente ao mesmo segmento (“aviação geral”, “aviação executiva” ou “aviação de negócios”);
  • Determinados segmentos, como a instrução de voo, a aviação agrícola e os voos panorâmicos não são entendidos como Serviços Aéreos Especializados, mas referidos como segmentos diretamente vinculados à aviação geral; e
  • No Brasil não existe uma “Commercial Business Aviation” vinculada a serviços de transporte aéreo público: esta atividade é desenvolvida pelo táxi aéreo no país. A “Non-Commercial Business Aviation” (atividade aérea sem remuneração do operador), também seria entendida como “aviação geral”, “aviação executiva” ou “aviação de negócios” na prática do Brasil.

Nos Estados Unidos, a NBAA – National Business Aviation Association define a aviação de negócios como aquela que faz “o uso de aeronaves de ‘aviação geral’ com objetivos de negócios” – o que exclui, além do táxi aéreo, também a operação aerodesportiva ou simplesmente de hobby (“Pleasure Flying”), além das demais atividades que não sejam dedicadas ao transporte de passageiros. Portanto, a definição aqui utilizada para “aviação de negócios” não será exatamente a mesma da NBAA, uma vez que este artigo é voltado para a prática verificada no Brasil.

Outra maneira de compreender a aviação de negócios brasileira (e talvez a maneira mais fácil) é por exclusão, ou seja: definir o que ela NÃO É. Vejamos quais são os segmentos da aviação que NÃO SÃO pertencentes à aviação de negócios sob tal prisma:

  • Aviação militar: aeronaves operadas pela Força Aérea Brasileira, pelo Exército Brasileiro e pela Marinha do Brasil, inclusive as operações de transporte executivo de autoridades realizado pelo GTA-Grupamento de Transporte Aéreo da FAB.
  • Linha aérea doméstica e internacional de grande porte: empresas de transporte aéreo público sediadas no Brasil e certificadas pelo RBAC 119 para operar de acordo com o RBAC 121 (para aeronaves de empresas brasileiras) ou pelo RBAC 129 (para empresas estrangeiras) em operações de transporte de passageiros e de cargas com aeronaves com mais de 19 assentos para passageiros, ou com payload igual ou superior a 3.400 kg (+/- 7.500 lb). Estas operações podem ser:
    • Regulares (ou agendadas): os voos são previamente informados à ANAC e são operados em dias da semana fixos e horários específicos pelas companhias aéreas nacionais e estrangeiras.
    • Não-regulares (ou não-agendadas) ou “charters”: voos únicos, não realizados de maneira repetitiva.
  • Aerodesporto: operações com aeronaves leves esportivas (LSA/ALE), experimentais, ultraleves motorizados, balões, trikes, etc. (regidos pelo RBAC 103). A operação destas aeronaves também segue a regulamentação aplicável à aviação geral do RBAC 91.
  • Drones regulamentados de acordo com o RBAC 94E.

A seguir, iremos especificar os segmentos e subsegmentos da aviação de negócios, de acordo com a prática adotada no Brasil:

  • Aviação privada: operação com aeronaves certificadas para operar sem fins comerciais, regulamentada unicamente pelo RBAC 91. Os operadores de aeronaves privadas podem ser pessoas físicas ou jurídicas – neste caso, a regra geral é que a empresa não seja de transporte aéreo público. Todavia, uma aeronave privada também pode pertencer a uma empresa de aviação, desde que esta não seja utilizada para fins de fretamento. Subsegmentos:
    • Aviação privada convencional: operação em que uma determinada aeronave possui um ou mais operadores pessoa física ou jurídica e segue a regulamentação convencional do RBAC 91 (sem a aplicação da subparte K).
    • Aviação privada compartilhada: neste caso, o operador é um administrador de programa de propriedade compartilhada sob a Subparte K do RBAC 91, cuja gestão ocorre de maneira semelhante à operação de táxi aéreo, mesmo que não seja permitida a exploração comercial da aeronave.
  • Táxi aéreo: embora utilize, em geral, os mesmos modelos de aeronaves que a aviação privada, esta modalidade operacional é caracterizada pelo fato de seu operador estar autorizado a realizar sua exploração comercial – ou seja: ele pode fretá-la, no todo ou em parte, e em certos casos também vender passagens aéreas. De acordo com a reforma regulatória dos serviços aéreos públicos ocorrida em 2019, o mesmo regulamento utilizado para autorizar a operação de empresas de linha aérea deve ser usado para empresas de táxi aéreo, o RBAC 119. A diferença é que, no primeiro caso, a operação se dá pelo RBAC 121, enquanto no caso de táxis aéreos, esta ocorre sob o RBAC 135. Não, há, em termos regulatórios, subsegmentos de táxi aéreo, entretanto eles existem em termos práticos:
    • Táxi aéreo convencional (fretamento): modalidade operacional realizada exclusivamente sob demanda, em que o fretador contrata a empresa de táxi aéreo para fretar toda a capacidade da aeronave para realizar determinada missão de transporte remunerado de passageiros ou de carga.
    • Transporte aeromédico: traslado de pacientes sob demanda, por meio de uma ambulância aérea regulamentada pela Portaria/MS 2048/1999. Há duas atividades distintas neste subsegmento: o atendimento pré-hospitalar ou resgate aéreo, realizado somente com helicópteros; e o transporte inter-hospitalar, que pode ser feito com aeronaves de asa fixa ou rotativa. Quando a operação é realizada com helicópteros de órgãos de segurança pública (polícias ou bombeiros militares), deve-se seguir regulamento específico. Nos demais casos, as regras são as mesmas do táxi aéreo convencional acrescidas da regulamentação específica para este tipo de operação, atualmente a IAC 3134 (em processo de transição para um novo regulamento da ANAC, a ser publicado).
    • Operação off-shore (transporte aéreo entre o continente e as plataformas de petróleo, realizado com grandes helicópteros): em termos estritamente regulatórios, esta operação é idêntica à do táxi aéreo convencional, sob demanda. Mas há diferenças que fazem com que ela, na prática, seja uma espécie de linha aérea realizada com helicópteros, de maneira similar a uma operação regular/agendada. A empresa fretadora, usualmente uma companhia petrolífera, necessita de cumprir as regras do PEOTRAM (programa específico da Petrobras para operação off-shore), o que deixa a operação muito mais restritiva que o táxi aéreo convencional.
    • Venda de assentos individuais: alternativa autorizada para empresas de táxi aéreo convencional, sob demanda, por meio da Resolução/ANAC 576/2020, para que esta realize a venda de passagens até o limite de 15 frequências semanais. Embora, na prática, esta operação seja agendada, não se trata de uma operação regular típica, uma vez que os agendamentos são únicos: eles não se repetem, como é exigido para as operações de linha aérea.
    • Linhas aéreas sub-regionais: operações regulares/agendadas – isto é, de linha aérea regular, com voos repetitivos – realizadas por empresas de táxi aéreo, certificadas para operar sob as regras do RBAC 135. Neste caso, não há a limitação de 15 voos semanais da opção de venda de assentos individuais, mas é necessário cumprir algumas exigências adicionais do RBAC 135 para voos regulares.
  • Serviços Aéreos Especializados (SAE): aqui enquadram-se todas as atividades aéreas remuneradas à exceção do transporte de passageiros e de cargas. Neste rol, pela regulamentação vigente deveriam estar inclusos a instrução de voo, a aviação agrícola e os voos panorâmicos – porém, estas atividades são classificadas à parte na prática brasileira. Os demais SAE são regidos somente pelo RBAC 91, e as empresas necessitam ser autorizadas a operar pela ANAC de acordo com a IS 91-007. Os seus principais subsegmentos são os seguintes:
    • Reportagem aérea: aeronaves (em geral helicópteros) utilizadas por empresas de mídia (rádios e TVs) para transmitir imagens aéreas com informações sobre trânsito ou acontecimentos relevantes.
    • Publicidade aérea: aviões que rebocam faixas com propagandas e informações ou anunciam mensagens por meios acústicos, usualmente em localidades litorâneas.
    • Aerofotogrametria, aerotopografia e prospecção de minerais e outros elementos: são serviços técnicos voltados a empresas de mapeamento de terrenos, engenharia, mineração, etc., geralmente realizados com aviões que voam a baixa altura.
    • Provocação artificial de chuvas – autoexplicativo.
    • Combate a incêndios – autoexplicativo.
  • Instrução de voo: formação prática de pilotos privados e comerciais de acordo ou de obtenção e renovação de habilitações de classe e IFR com as regras do RBAC 141, que regulamentam os CIACs (Centros de Instrução da Aviação Civil). No caso de instrução prática avançada, para obtenção ou renovação de habilitações de tipo, a operação é regulada pelo RBAC 142, que regulamenta os CTACs (Centros de Treinamento da Aviação Civil).
  • Aviação agrícola: prestação de serviços ou uso próprio de aviões e helicópteros para a pulverização agrícola, lançamento de sementes e mudas e qualquer outra atividade semelhante. O operador e a aeronave devem ser certificados de acordo com as regras do RBAC 137.
  • Voos panorâmicos: operação com passageiros que tem o local de decolagem igual ao de pouso, podendo utilizar aeronaves de asa fixa e rotativa, e realizados de acordo com a regras do RBAC 136.
  • Aviação de segurança pública: atividades típicas de operações policiais e de bombeiros militares, ou aeromédicas realizadas por estes, sob as regras do RBAC 90.
  • Aviação do Estado: operação semelhante à realizada pela aviação privada convencional, porém operada por governos e entidades públicas (ex. IBAMA, FUNAI, etc.). As operações seguem o RBAC 91, porém as aeronaves são registradas em categorias específicas da administração pública.

Prática adotada no Brasil

Referência bibliográfica:

Impactos da pandemia na aviação civil brasileira: crise, desafios e perspectivas. Coordenação: Mauro César Santiago Chaves, Tiago de Souza Pereira – 1ª ed – São Paulo: Almedina, 2021 – Cap. 6: Os impactos sobre a aviação de negócios do Brasil em 2020 – Marinho, Raul – p.161 a 186.

Este artigo é de responsabilidade exclusiva de seu autor, não refletindo o ponto de vista das entidades de que ele participa.

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