“A Aviação de Negócios no Brasil”: meu artigo sobre BizAv na Aeromagazine

Uma análise baseada em fatos e dados sobre a BizAv pós-pandemia

Aviação de negócios no Brasil

De acordo com a definição utilizada pela associação norte-americana da aviação de negócios, a NBAA – National Business Aviation Association, o segmento da aviação de negócios engloba toda a aviação civil às exceções do transporte aéreo regular e do chamado “pleasure flying” – o aerodesporto e a aviação operada como hobby. Em nosso país, tradicionalmente usamos “aviação executiva” para nos referir à aviação de negócios, um termo que remete aos jatos e helicópteros mais sofisticados, utilizados pela classe abastada. Ocorre que esta definição exclui a maior parte da verdadeira aviação de negócios do Brasil, que nem é composta por aeronaves sofisticadas e nem é uma exclusividade dos endinheirados.

Das 9.043 aeronaves operacionais do segmento (dados RAB/ANAC de junho/2022, também utilizados em todas as estatísticas de frota deste artigo*), somente 727 são aviões a reação; e os helicópteros executivos (excluindo os utilizados na operação off-shore) somam mil unidades redondas. Portanto, 78% da aviação de negócios do Brasil é composta por aviões turboélice e a pistão e helicópteros que atuam no segmento de petróleo e gás, ou seja: um produtor rural que utiliza um Bonanza 1976 para se deslocar até sua fazenda é um exemplo muito melhor do que é a real aviação de negócios brasileira do que um empresário que voa com seu Gulfstream entre São Paulo e Paris.

Mesmo que a aviação executiva também componha o grande segmento da aviação de negócios, esta é muito mais diversificada. São sub-segmentos da aviação de negócios e respectivas frotas:

  • Aviação privada certificada (exclui aeronaves experimentais e leves esportivas): 5.493 aviões e 779 helicópteros, sendo:
    • 631 aviões a reação;
    • 1.002 aviões turboélices;
    • 3.860 aviões a pistão;
    • 420 helicópteros turboeixo monomotores;
    • 205 helicópteros turboeixo multimotores; e
    • 154 helicópteros a pistão;
  • Aviação agrícola: 1.729 aviões que prestam serviço agrícola** e 5 helicópteros que também prestam serviço agrícola;
  • Instrução de voo: 672 aviões e 37 helicópteros;
  • Serviços Aéreos Especializados – reportagem e publicidade aéreas, aerofotogrametria, aerotopografia, prospecção de minerais, provocação artificial de chuvas, combate a incêndios e voos panorâmicos: 119 aeronaves; e
  • 259 aeronaves operadas pelo Estado – segurança pública (polícias e bombeiros dos estados, Polícia Federal e Polícia rodoviária Federal), autarquias (ex.: IBAMA, FUNAI, etc.) e demais aplicações governamentais.

Em termos empresariais, há na aviação de negócios:
• 134 empresas de táxi aéreo;
• 289 empresas aeroagrícolas;
• 186 escolas de aviação e aeroclubes;
• 79 empresas de Serviços Aéreos Especializados;
• 599 oficinas de manutenção aeronáutica;
• Além de um grande número de empresas de atendimento a aeronaves em solo (FBO) e de hangaragem, prestadores de serviços técnicos de consultoria e treinamento e muitas outras pessoas físicas e jurídicas que viabilizam as operações do segmento, desde a distribuição de combustíveis até a operação aeroportuária, cujos números exatos não são conhecidos porque não se tratam de entidades cadastradas na ANAC.

Todo esse ecossistema aeronáutico exclusivo da aviação geral está distribuído pelas 27 as unidades de federação, provendo capilaridade no transporte aéreo, uma vez que a aviação de negócios opera em 100% de nossa infraestrutura aeroportuária: todos os 503 aeroportos públicos, 2.711 aeródromos privados e 1.335 helipontos, sem contar as pistas não cadastradas da Amazônia Legal, onde a operação é autorizada, de acordo com a regulamentação em vigor. Em contrapartida, há no Brasil 10 empresas de linha aérea regular (operadoras de aviões dotados de 20 ou mais assentos) com uma frota de 473 aeronaves (5% do total) que operam em somente 161 aeroportos.

Movimentos da aviação de negócios

Quando a pandemia do coronavírus chegou ao Brasil, em março de 2020, a aviação de negócios sofreu um baque de cerca de 43% em seus pousos e decolagens – enorme em termos absolutos, mas comparativamente muito menor que a linha aérea, que reduziu em 92% sua movimentação. Ocorre que a recuperação da aviação foi muito mais rápida não só do que a da linha aérea, mas também em relação à maioria dos outros setores da economia. Em setembro de 2020, a aviação de negócios já estava voando em um ritmo parecido com o verificado antes da pandemia, e atualmente os movimentos da aviação geral estão cerca de 13% acima de 2019, o último ano pré pandêmico.

No gráfico abaixo, construído com dados do CGNA/DECEA, o Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea do Departamento de Controle do Espaço Aéreo, isso fica muito evidente, mas é bom ressaltar que os números publicados pelo órgão da FAB mostram somente a movimentação verificada nos 34 principais aeroportos do país, ao passo que a aviação de negócios é mais forte justamente nos aeroportos e aeródromos de menor porte (em sua maioria utilizados somente por aeronaves do segmento), além dos helipontos, onde não há operações de linha aérea. De qualquer modo, mesmo com esse forte viés que deveria favorecer a linha aérea, ainda assim o desempenho da aviação de negócios é muito superior tanto em relação àquele segmento, quanto ao da própria aviação de negócios antes da pandemia (dados compilados pela ABAG – Associação Brasileira de Aviação Geral):

Já em termos globais, o aumento verificado neste primeiro semestre de 2022 em relação ao mesmo período do ano passado foi de “somente” 22% (no Brasil, foi de 55%!), de acordo com estatísticas divulgadas pelo rastreador de dados do setor WingX Advance. Durante os primeiros seis meses deste ano, a atividade de jatos executivos foi particularmente intensa, com um crescimento de 27% em relação ao primeiro semestre do ano anterior e 21% acima da pré-pandemia (2019). Nos Estados Unidos, o crescimento das atividades da aviação de negócios no primeiro semestre de 2022 foi um pouco menor, da ordem de 20%; mas, comparando junho de 2022 com o mesmo mês de 2021, o aumento foi mais modesto: 7% (no Brasil foi 53%!). Durante o feriado de 4 de julho, a atividade de jatos executivos caiu 5% em relação ao recorde do ano passado, mas ainda 32% acima do mesmo período de 2019. A Europa teve quase 300.000 voos de jatos executivos no primeiro semestre do ano, um aumento de 38% em relação ao mesmo período do ano passado e 17% a mais do que em 2019.

Vários motivos explicam esse comportamento da aviação de negócios, tanto em termos locais quanto globais. Em um primeiro momento, a interrupção parcial das operações pelas companhias aéreas foi o responsável pelo crescimento da aviação de negócios nos subsegmentos de táxi aéreo e de aviação privada. A necessidade de transporte de pacientes infectados pelo Covid-19, por sua vez, fez com que o transporte aeromédico experimentasse um boom inédito em nosso país, com a demanda bem superior à oferta, inclusive – razão pela qual foi necessário recorrer até a aviões da FAB para realizar o transporte de pacientes Covid. Em seguida, veio a segunda onda da retomada da aviação de negócios, quando a camada de usuários de transporte aéreo com condições financeiras de utilizar aeronaves privadas ou de táxi aéreo, mas que tradicionalmente costumava comprar bilhetes de linha aérea, passou a voar nas asas da aviação de negócios por questões sanitárias – isto é: para evitar as aglomerações nos aeroportos e não ter a necessidade de compartilhar o espaço da cabine dos aviões de linha aérea com centenas de desconhecidos. Este fator teve muita importância durante 2021 até o arrefecimento da pandemia – e, em alguma medida, persiste até hoje.

Já em 2022, quando as rotas da aviação comercial se restabeleceram quase completamente, a demanda por transporte aeromédico de pacientes com Covid diminuiu drasticamente e o medo de contágio em aeroportos lotados e cabines de passageiros de aviões comerciais idem, ocorreu algo inusitado: a movimentação registrada das aeronaves da aviação de negócios continuou a acrescer. As explicações para isso segundo profissionais do mercado são que: 1)os usuários que migraram da aviação comercial para a aviação de negócios e experimentaram a flexibilidade, a comodidade, o conforto, e principalmente o aumento de produtividade que um avião privado e de táxi aéreo oferecem dificilmente retornam às filas de check in da linha aérea; e 2)o fato de esta experiência positiva acabar “contaminando” sócios, parceiros de negócios, familiares e demais pessoas do círculo de relacionamentos desses novos usuários, o que gera um efeito multiplicador no mercado. Outras hipóteses também circulam no mercado e será muito difícil comprovar ou refutar qualquer uma delas, mas o fato é que os números do Brasil e do exterior mostram que a retomada da aviação de negócios é um fato inconteste.
Evolução da frota da aviação de negócios

Durante o período mais grave da pandemia, alguns fabricantes interromperam a produção por questões sanitárias, para evitar aglomerações nas fábricas – casos da Piper, da Bombardier e da Textron, fabricante de aviões das marcas Beechcraft e Cessna e dos helicópteros Bell, dentre outras. Mas o maior problema que afetou a produção de aeronaves de todos os fabricantes foi a interrupção das cadeias de produção de partes e peças utilizadas nas linhas de montagem, especialmente de componentes eletrônicos fabricados na China (mesmo problema por que passa a indústria automotiva, a propósito), fato que vem atrapalhando a produção de aeronaves até hoje, inclusive dos gigantes Boeing e Airbus.

De qualquer modo, as entregas de aeronaves cresceram em 2022. Segundo dados do relatório trimestral da associação de fabricantes de aeronaves da aviação de negócios, a GAMA – General Aviation Manufacturers Association relativos ao 1º trimestre de 2022 (último dado disponível no momento em que este artigo foi escrito), as entregas globais de aeronaves aumentaram em todos os segmentos durante no período, quando comparadas com o primeiro trimestre de 2021. Os aviões turboélice tiveram o maior salto, com um aumento de 31% nas entregas, de 84 aviões no primeiro trimestre de 2021 para 110 no primeiro trimestre de 2022. As entregas de aviões de pistão aumentaram para 263 unidades, em comparação com 231 no primeiro trimestre do ano passado, marcando um aumento de 13,9%. As entregas de jatos executivos aumentaram 4,4%, para 118 aeronaves no primeiro trimestre de 2022. No cômputo total, as entregas de aviões aumentaram 14,7% no período. Já em relação aos helicópteros, as entregas aumentaram bem menos: 7%, com 39 helicópteros a pistão e 98 a turbina entregues no último trimestre de 2021, em comparação com 36 e 92, respectivamente, no primeiro trimestre de 2022.

Já no Brasil, temos condições de obter informações muito mais detalhadas devido à ótima qualidade da base de dados do RAB – Registro Aeronáutico Brasileiro da ANAC. Em relação aos números da frota brasileira, é mais complicado diferenciar aeronaves novas de usadas na base do RAB, mas o que importa mesmo são os números totais de entrada e saída de matrículas (aeronaves novas e usadas), o que dá um panorama muito mais completo do comportamento do mercado da aviação de negócios do Brasil. Analisando estes dados, as entradas líquidas de aeronaves aumentaram em 58% em 2021 e 65% em 2022 (dados anualizados): foram 185 aeronaves em 2020, 293 em 2021 e 243 até junho de 2022 (anualizando, 482 aeronaves). Nos gráficos abaixo, temos a evolução total da frota aeronavegável no período e os números por categoria (aviões a reação, turboélices e a pistão e helicópteros turboeixo e a pistão – dados compilados pela ABAG):

A inflação nos preços das aeronaves usadas

Com filas de espera para entrega de aeronaves novas muito mais longas do que antes da pandemia e muito mais usuários da aviação de negócios desejosos por voar, temos um cenário propício para o aumento de preços. Hoje em dia, para determinados modelos de aeronaves, o preço de uma aeronave usada é superior ao valor de tabela da nova, o que significa que há compradores dispostos a pagar um ágio para poder voar o mais cedo possível, no caso de novos usuários da aviação de negócios; ou de operadores tradicionais ansiosos por aumentar a frota ou por adquirir aeronaves com perfil diferente – em geral, com mais desempenho, mais autonomia ou maior capacidade de transporte de pessoas ou de cargas. Modelos como o G450 da Gulfstream tiveram aumento de mais de 40% entre 2020 e 2022, e os aviões da Embraer, que possui uma linha de jatos da aviação de negócios que estão entre os mais procurados no mercado, subiram em média 28% no mercado de usados (fonte: Jefferies Aerospace).

A redescoberta da aviação de negócios

Jamais poderíamos dizer que a pandemia da Covid-19 foi uma coisa boa. Nada que ceifa centenas de milhares de vidas, gera sequelas para outros tantos, arrasa empresas, empregos e sonhos e compromete a educação de milhões de crianças e jovens, dentre outras consequências nefastas, pode ser considerado algo bom. Mas o fato é que, por diversos fatores, alguns já comentados neste artigo, a aviação de negócios tem experimentado crescimento considerável devido à pandemia.

Antes vista como “brinquedo de rico”, empresas dos mais variados segmentos – e, no Brasil, com forte concentração no agribusiness – perceberam que uma aeronave própria ou fretada é uma ferramenta inigualável de produtividade. A aviação de negócios é, antes de tudo, uma “máquina do tempo”, isto é: ela “fabrica tempo”. Em um país continental como o nosso, empresários, executivos ou prestadores de serviços (advogados, consultores, etc.), profissionais cujo bem mais escasso é o tempo, multiplicam sua capacidade de fazer dinheiro quando utilizam as aeronaves de negócios. Um proprietário de uma rede de varejo, por exemplo, com filiais distribuídas em todo o país, consegue visitar muito mais lojas com um jato particular, enquanto um advogado tem condições de multiplicar a quantidade de reuniões com clientes em cidades diversas. Mesmo que a velocidade de um jato comercial ou privado seja semelhante, o tempo que se perde em procedimentos de check-in e embarque na operação de linha aérea é, muitas vezes, superior à viagem em si. Além disso, a aeronave privada tem a capacidade de operar em virtualmente qualquer aeródromo do Brasil, enquanto na linha aérea é necessário que, frequentemente, se use o transporte terrestre para complementar um trajeto – e este, mais uma vez, acaba levando mais tempo do que a viagem aérea.

No caso do agribusiness, o ganho de tempo é ainda maior, uma vez que a atividade rural sempre se dá em localidades afastadas dos grandes centros, e os deslocamentos terrestres são ainda mais demorados. Nas grandes fazendas, é possível haver pistas de pouso que permitem o deslocamento direto de um aeroporto central de uma capital até o local exato que se deseja ir, o que faz com que a “máquina do tempo” da aviação de negócios seja ainda mais eficiente no ambiente rural. Isso sem contar que a atividade agropecuária produz commodities cotadas em dólar, o que significa que há um hedge perfeito para suportar as despesas dolarizadas da aviação. A propósito, como as aeronaves também são cotadas em dólar, estas também são reservas de valor em moeda forte.

É sempre difícil prever o futuro, mas parece que essa boa fase da aviação de negócios deve durar bastante tempo. Com o fim da pandemia (pelo menos em relação às restrições da aviação comercial), previa-se uma retração da aviação de negócios, mas o que se verificou foi o contrário. Quando começou a guerra entre Rússia e Ucrânia, a mesma coisa, e meses depois do início dos conflitos, o segmento permanece em alta. Nem a alta expressiva dos combustíveis parece ter afetado os movimentos da aviação de negócios. No longo prazo, as perspectivas da aviação de negócios são ainda mais positivas. Aeronaves elétricas ou a hidrogênio e, principalmente, os eVTOL, pequenas aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical, estão se tornando uma realidade: escolas de aviação dos Estados Unidos já utilizam aviões elétricos na instrução de pilotos e, nos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, haverá eVTOL realizando o transporte de passageiros. Portanto, tudo leva crer que estamos vivendo uma fase de recuperação da aviação de negócios como nunca antes. Oxalá seja isso mesmo!

Comentários

Os comentários estão fechados.

  1. Excelente análise e tenho certeza da recuperação do setor aeronáutico ainda neste ano de 2022. Na escuta se precisar em http://www.asasbrasil.com.br

    wilder / 31/08/2022

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