A privatização de Congonhas e o risco que isso representa para a aviação de negócios – Artigo publicado na Aeromagazine & Considerações sobre a “política liberal” adotada nas concessões aeroportuárias

Artigo publicado na revista Aeromagazine nº333 – fev/2022

No texto reproduzido neste post está a íntegra do meu artigo sobre “o futuro incerto da Aviação de Negócios em Congonhas e Santos Dumont”, que chegou às bancas depois que o aeroporto carioca já havia sido retirado do programa de concessões aeroportuárias do Governo Federal. Portanto, peço desculpas pela informação incorreta contida no meu texto, escrito à época em que Santos Dumont ainda compunha um grupo exclusivo na 7ª Rodada de Concessões. Por gentileza, considerem como incerto somente o futuro da Aviação de Negócios em Congonhas (neste momento, ao menos).

O artigo que segue abaixo, brilhantemente editado pelo jornalista Giuliano Agmont, Editor-Chefe da Aeromagazine (se vocês gostarem do texto, creditem a maior parte do mérito a ele!), teve alguns trechos suprimidos em nome da concisão e da objetividade – e, mesmo assim, ele consumiu 8 páginas da edição, imaginem o que ele seria se não fosse pelo Giuliano! De fato, o artigo ficou bem melhor da maneira como fora publicado, mas como neste espaço sou eu o Editor-Chefe, vou me permitir reinserir um trecho do texto original, em que faço algumas considerações sobre a “política liberal” de que tanto fala o Governo Federal, o que seria uma espécie de bússola dos programas de concessões que vêm ocorrendo no Brasil nos últimos anos.

Muito antes de me tornar um profissional da aviação, minha formação acadêmica fora em Administração de Empresas (FEA-USP, 1987-1990), quando estudei Economia no velho compêndio de Introdução à Teoria Econômica escrito pelo lendário Paul Samuelson, publicado em dois grandes volumes que, pelo que me lembro, custavam um rim à época. Meus conhecimentos básicos de Teoria Econômica se baseiam neste livro adquiirido quando calouro ainda, portanto 35 anos atrás. Pode não ser a bibliografia mais atualizada que existe, mas acredito ser confiável em relação ao que existia em Teoria Econômica até aquela data, pelo menos – como, por exemplo, o liberalismo.

Em uma das vezes em que conversei com servidores da SAC sobre o atual programa de concessões de aeroportos, ouvi diversas vezes estes repetirem que o programa havia sido estruturado seguindo o “modelo liberal” do governo. Ótimo! Eu também sou liberal, defendo a iniciativa privada e execro as políticas intervencionistas e a intromissão do Estado na Economia! Mas confesso que boa parte do que entendo ser liberalismo vem do que li nos jornais nas últimas décadas, não do que estudei nos tempos de faculdade. Resolvi tirar o pó do velho Samuelson e, após me recuperar da crise de rinite, encontrei lá uma frase atribuída ao fundador do pensamento liberal, meu grande ídolo Adam Smith, que caiu como uma luva para entender melhor como o argumento “liberal” estava sendo aplicado (equivocadamente, em minha modesta opinião) ao discurso da SAC. Esta volta aos tempos de faculdade acabou resultando em uma das seções do meu artigo da Aeromagazine, que acabou (corretamente) não sendo publicada. Mas o trecho está de volta aqui, reinserido no artigo publicado em itálico. O leitor que preferir ler o artigo da Aeromagazine exatamente igual ao publicado também tem acesso ao texto em pdf ao final deste post.

Gostando ou não do artigo, concordando ou não com ele, só peço um favor ao leitor: comente, dê seu feed-back sobre o artigo! Por favor, isso é muito importante para mim!

FUTURO INCERTO

As dúvidas sobre a operação da aviação de negócios em Congonhas e no Santos Dumont depois da sétima rodada de concessões de aeroportos à iniciativa privada

POR | RAUL MARINHO*, ESPECIAL PARA AERO MAGAZINE

O ano de 1936 foi memorável para a aviação brasileira. Em 12 de abril, a Vila Congonhas, em São Paulo, recebeu o “Campo de Aviação da Companhia Auto-Estradas”, um aeroporto inicialmente privado, de propriedade da Cia. Auto-Estradas Incorporadora e Construtora S.A., que seria estatizado no mesmo ano, passando a se chamar “Aeroporto de São Paulo” (ou “Campo da Vasp”, sua denominação informal). Pouco tempo depois, ainda em 1936, mais precisamente em 30 de novembro, o presidente Getúlio Vargas inaugurou o Aeroporto Santos Dumont, no centro do Rio de Janeiro, em uma espécie de istmo artificial, construído com o entulho da demolição do Morro do Castelo, na Ponta do Calabouço, em uma região que, anos depois, passaria a integrar o Aterro do Flamengo.

Como ficava à beira-mar, o Santos Dumont, estatal desde o início, tinha a vantagem de atender também aos hidroaviões, tão comuns naquela época. Na verdade, durante um bom tempo, o atracadouro era mais movimentado do que a pista de pouso. Já o atual aeroporto de Congonhas-Deputado Freitas Nobre teve como principal apelo sua imunidade a alagamentos, trauma da aviação paulistana devido às frequentes inundações do Campo de Marte, que, invariavelmente, interrompiam as operações da aviação na capital de São Paulo.

Ambos os aeroportos, loca- lizados em regiões centrais das duas principais metrópoles do Brasil, tornaram-se as principais bases operacionais da aviação do país, tanto para linhas aéreas regulares como para a aviação de negócios (incluindo táxis-aéreos e aeronaves privadas de transporte de passageiros, que, hoje em dia, respondem por cerca de 20% do movimento de Congonhas e Santos Dumont). Com as perspectivas de concessão dos dois aeródromos à iniciativa privada, dúvidas pairam no ar. Não se sabe se estes aeroportos continuarão sendo compartilhados pelos dois segmentos da aviação ou se irão se tornar estruturas integralmente dedicadas à operação de aviões de linha aérea regular.

ESTUDOS DE VIABILIDADE

De acordo com estudos de viabilidade que fazem parte da documentação da sétima rodada de concessão de aeroportos (conhecidos formalmente como Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental – EVTEA), da qual fazem parte Congonhas e Santos Dumont, a proposta seria “vocacionar” estes aeroportos para a aviação comercial regular, excluindo as instalações voltadas à aviação geral (incluindo a de negócios) nessas localidades já no primeiro ano de operações dos novos concessionários.

O governo federal refuta a alegação de que haveria uma “vocação” de Congonhas e Santos Dumont para a linha aérea regular, uma vez que não há nada na documentação da sétima rodada de concessões que obrigue o novo concessionário a isso, o que é verdadeiro. Assim como também é verdadeiro que nada impede que tal “vocação” prevaleça, isto é, não existe qualquer dispositivo legal (na minuta de contrato ou fora dela) que impeça que isso aconteça.

Na prática, quem decidirá se o aeroporto será dedicado integral- mente à aviação comercial regular, se manterá a atual proporção de 80-20 (80% para a linha aérea e 20% para a aviação de negócios) ou se sofrerá mudança para qualquer outra combinação, como 90-10 e 60-40, será o novo concessionário, a critério dele. Os estudos de viabilidade apresentados, que preconizam que a aviação geral deveria deixar de operar em Congonhas e Santos Dumont, seriam “somente uma alternativa” mostrada nas simulações, nada mais que isso, argumentam a Secretaria de Aviação Civil (SAC) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), quando questionadas.

Contudo, se não há obrigação alguma dos novos administrado- res aeroportuários de Congonhas e Santos Dumont de cumprir o que está nos estudos de viabilidade, tampouco nada impede que estes os cumpram. E por que não cumpri-los? Afinal, quem os fez foram as empresas de consultoria aeroportuária mais conceituadas do país, criteriosamente selecionadas pelo governo federal para apresentar a melhor alternativa possível para a exploração destes aeroportos. Os EVTEA balizam o Tribunal de Contas da União (TCU) para a averiguação do valor mínimo da outorga atribuído às concessões – logo, eles devem apresentar a alternativa mais vantajosa para a administração dos ativos concessionados. Caso os estudos não apresentassem a melhor opção econômica, o valor mínimo de outorga a ser auferido pelo Estado estaria subdimensionado.

Portanto, se os estudos de viabilidade foram realizados por empresas competentes, e o objetivo é orientar o governo quanto ao valor mínimo a ser cobrado no leilão de concessão (que, se fosse avaliado abaixo da realidade, implicaria em prejuízo ao erário), conclui-se que o novo concessionário deverá, sim, seguir o sugerido no EVTEA – e nada impede que ele o faça. Se um comprador de automóvel leva um especialista do ramo para ajudá-lo a escolher o modelo mais adequado para suas necessidades, ele pode adquirir o modelo recomendado pelo consultor automotivo ou não: é ele (o comprador) quem vai pagar e usar o carro. Mas, convenhamos, por que o comprador não deveria comprar o carro que lhe fora recomendado? Não faz muito sentido, não é mesmo?

“SOLUÇÃO LIBERAL”? DEPENDE DE QUE LIBERALISMO ESTIVERMOS FALANDO

Não é o caso de realizarmos um debate acadêmico sobre filosofia liberal, mas vale a pena conhecer o que Adam Smith (1642-1727), o “Pai do Liberalismo”, disse sobre ele em uma de suas mais célebres citações:

Vocês acham que estão ajudando o sistema econômico com as suas leis e interferências bem intencionadas. Não estão. Deixem-no em paz. O óleo do interesse próprio manterá as engrenagens funcionando de maneira quase milagrosa. Ninguém precisa fazer planos. Nenhum soberano precisa governar. O mercado responderá a todas as coisas.

Apud Paul Samuelson, Introdução à Teoria Econômica – Vol II (Ed. Agir, 1985)

Antes de prosseguir, é preciso alertar ao leitor que o “liberalismo econômico” (o fundado por Adam Smith) não significa a mesma coisa que o “liberalismo” em sua concepção política, embora ambos tenham pontos em comum; e, é claro, não tem nada a ver com “ser liberal” conforme o senso comum. Vamos nos ater ao seu primeiro significado, que é o utilizado na argumentação da SAC & ANAC, em especial no trecho em que Smith diz que “ninguém precisa fazer planos” e que “nenhum soberano precisa governar.”

Nenhum país do mundo funciona sem planejamento e, por óbvio, não há governo que não governe – inclusive em países como os Estados Unidos, claramente liberais, tanto política quanto economicamente. No mundo contemporâneo, os Estados efetivamente “ajudam o sistema econômico com as suas leis e interferências bem intencionadas”: a isto se dá o nome de “políticas públicas”, que é a maneira como países democráticos modernos materializam suas (boas) intenções, discutindo-as com a sociedade, seja diretamente, seja por meio dos seus representantes. Não é o caso, por exemplo, da Coréia do Norte, mas este é um dos regimes mais antiliberais do planeta! Na maioria dos países do Ocidente, inclusive nos Estados Unidos e no Brasil, uma “política liberal” ou uma “solução baseada no liberalismo (econômico)” não significa seguir à risca o que disse Adam Smith no século XVII. O mercado nem sempre responderá a todas as coisas: antes, é necessário haver políticas públicas bem estruturadas para que, posteriormente, o mercado possa operar de maneira eficiente. Especialmente em um mercado tão regulado pelo Estado, como é o da aviação – lembrando que a as concessões aeroportuárias são formatadas pelo Governo, não pelo dito “mercado”.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Para determinadas atividades da aviação, o Brasil já teve políticas públicas robustas, ainda que com eficácia discutível. A mais conhecida foi a icônica Campanha Nacional da Aviação (CNA), levada a cabo pelo empresário Assis Chateaubriand e pelo então ministro da Aeronáutica, o advogado e magistrado Salgado Filho, que materializaram uma política pública extremamente arrojada para a formação de profissionais da aviação, com uma rede de mais de 400 aeroclubes e subsídios à formação de pilotos. Nos anos 1970, tivemos o Sistema de Transporte Aéreo Regional (Sitar), que estimulou a criação de empresas aéreas, conectando todo o país e, ao mesmo tempo, fomentando o mercado para a Embraer, que estava viabilizando seu primeiro produto comercial, o Bandeirante. Hoje em dia, temos o Plano Aeroviário Nacional (PAN), a materialização de uma política pública consistente para nossa rede aeroportuária. Embora em ritmo mais lento – mesmo porque os percalços econômicos, tanto globais como nacionais, não têm sido poucos –, o plano está funcionando e, em breve, o governo deve lançar o PAN 2, mais focado na aviação de negócios.

Apesar das inúmeras iniciativas, nunca houve no Brasil uma política pública que englobe os diferentes segmentos da aviação civil e materialize ações integra- das para a indústria aeroespacial, a manutenção de aeronaves, a operação de aviões de linha aérea regular e da aviação de negócios em todos os seus segmentos, os aeroportos, os serviços auxiliares, a formação profissional e assim por diante. Pelo menos, não uma política pública plena, e que fosse colocada em prática.

Atualmente, temos a Política Nacional de Aviação Civil (PNAC), criada por um decreto de 2009. Todavia, tal política prescinde de profundidade, efetividade e contemporaneidade: nas suas 17 páginas, não se encontram valores numéricos, sejam monetários ou operacionais, e o documento jamais foi atualizado em seus 13 anos de existência. Nele não há anexos com estudos técnicos, planos de ação, crono- gramas, bibliografia, nada disso. Sem entrar no mérito da qualidade de seu texto, o PNAC é, se tanto, uma declaração de boas intenções, mas não uma política pública, de fato.

Aliás, em relação à aviação de negócios (ou aviação geral) há dois bullet points no documento, a saber:

  • Estimular o desenvolvimento da aviação geral; e
  • Garantir a fiscalização dos serviços aéreos explorados pela aviação regular, não regular, geral, experimental, aerodesportiva e agrícola.

Percebam que a primeira afirmação até é benéfica para o segmento, embora extremamente vaga, mas a segunda tem muito mais a ver com o próprio Estado do que com a aviação em si, e também não é exclusiva para a aviação geral – na verdade, o primeiro segmento citado é o de linha aérea regular. Mas é isso o que temos na PNAC sobre a aviação de negócios. Ou seja, a política pública para o segmento é o vácuo.

A GESTÃO DA AVIAÇÃO

Criada em 1972 com início das operações em 1973, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, mais conhecida como Infraero, nasceu como uma entidade vinculada ao Ministério da Aeronáutica, como já eram o então Departamento de Aviação Civil (DAC), a Diretoria de Eletrônica e Proteção ao Voo (DEPV), que se tornaria o atual Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), e o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), seus irmãos mais velhos.

Com isso, nos anos 1970, 1980 e 1990, toda a atividade aeronáutica do país (tanto a civil como a militar) ficava subordinada à Aeronáutica e, embora a Infraero fosse a única “empresa” dentre as quatro (o DAC foi e o Decea e o Cenipa ainda são “autoridades da aviação”), na prática, ela também exercia certo papel regulatório para questões aeroportuárias, inclusive na formulação de políticas públicas em sua área de atuação, mesmo que informais.

Nos anos 2000, a gestão da aviação civil brasileira começou a ser “desmilitarizada”. O Decea e o Cenipa se mantiveram como órgãos da Força Aérea Brasileira (FAB) por questões econômicas, enquanto a Anac, criada em 2005 para exercer o papel do antigo DAC, ficou inicialmente subordinada ao Ministério da Defesa, em um arranjo meio civil, meio militar. Situação semelhante ocorreu com a Infraero, que teve seu primeiro presidente civil já em 2000, mas só saiu da estrutura do Ministério da Aeronáutica e, posteriormente, do Ministério da Defesa, junto com a Anac, em 2011, quando passou a integrar o guarda-chuva da Secretaria de Aviação Civil (atualmente, fazendo parte do Ministério da Infraestrutura). Com isso, ficou muito mais clara a divisão de papéis da gestão regulatória aeroportuária, que ficou integralmente com a Anac, sendo que a Infraero se tornou uma estrita administradora estatal de aeroportos.

Na época em que eram de natureza militar, as entidades gestoras da aviação civil funcionavam com alguma coordenação administrativa, mesmo que de maneira pouco formal. Todas se encontravam em uma estrutura de gestão que, no topo, tinha o ministro da Aeronáutica (posteriormente, ministro da Defesa) como chefe maior, e as decisões eram tomadas à moda da caserna: “missão dada é missão cumprida”, seguindo a cadeia de comando no que se define como top down em Administração. Desse modo, mesmo que não houvesse uma política pública formal ampla para a aviação civil, como a gestão estava sob o mesmo guarda-chuva e todos os gestores “falavam a mesma língua”, na prática, foi possível implementar uma política pública integrada para a aviação.

Hoje em dia, essa coordenação é muito mais difícil, pois envolve autoridades civis (de Estado, caso da Anac, e de governo, como é a SAC), militares (principalmente o Decea) e duas empresas estatais, a Infraero e a sua futura substituta na atividade de prestação de serviços, a NAV Brasil. Neste contexto, não há como estruturar uma política pública de maneira pouco formalizada, como era até os anos 1990 – lembrando que, apesar do nome, a Política Nacional de Aviação Civil é uma mera declaração de intenções, apesar de ser um documento formal (na verdade, um Decreto). Há, sim, importantes ações em andamento para a aviação civil, como os já citados PAN e PAN 2, da SAC, uma política aeroportuária, e o Programa Voo Simples, da Anac, uma política de simplificação regulatória: iniciativas louváveis e que estão apresentando resulta- dos positivos.

Entretanto, tais iniciativas não são políticas públicas integradas para a aviação, muito menos uma política para o segmento da aviação de negócios. É neste contexto que estão ocorrendo as concessões dos aeroportos para a iniciativa privada no Brasil: desarticuladas e sem preocupação efetiva com o “estímulo ao desenvolvimento da aviação geral” – a única intenção declarada na PNAC que é genuinamente relacionada à aviação de negócios.

OS LEILÕES E A SITUAÇÃO DE CONGONHAS

Em 2011, ano em que a Infraero se tornou uma empresa administradora aeroportuária estatal desvinculada da estrutura militar, teve início o processo de concessão de seus aeroportos à iniciativa privada, que já completou seis rodadas. Até 2021, a Infraero passou para o controle privado a maioria dos aeroportos que ad- ministrava, incluindo Guarulhos, Galeão, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Viracopos, Curitiba (Afonso Pena e Bacacheri) e Manaus. Falta desestatizar 16 aeroportos, inclusive Congonhas e Santos Dumont, que seriam as “joias da coroa”, mas também aeroportos pouco valorizados, como Parauapebas (PA) e Montes Claros (MG), além dos dois aeroportos vocacionados para a aviação de negócios (porque desinteressantes para a linha aérea regular por questões técnicas), um em São Paulo (Campo de Marte) e outro no Rio de Janeiro (Jacarepaguá-Roberto Marinho).

As concessões desta sétima e última rodada foram divididas em blocos com o conceito de “quem pegar o filé mignon também tem de levar o osso”, o que significa que quem vencer a disputa por Congonhas também precisará administrar aeroportos com baixa rentabilidade ou até mesmo deficitários (o Santos Dumont terá um leilão separado). Outra particularidade é que somente nesta rodada há um aeroporto com infraestrutura extremamente escassa: Congonhas, que possui um potencial de demanda muito superior à oferta tecnicamente viável, tanto por limitações de pista, como de pátio e de espaço aéreo. Por esse motivo, nas épocas de maior movimentação, o aeroporto se torna frequentemente “coordenado”, de modo que a aviação geral e a comercial regular dividam os slots de pousos e decolagens sob a coordenação do Decea.

Outra particularidade de Congonhas é que a aviação de negócios que lá opera não tem alternativas equivalentes na cidade de São Paulo. O Campo de Marte não possui procedimentos por instrumentos (IFR) e sua pista não é capaz de receber os modelos de aviões executivos mais sofisticados, além de também ter infraestrutura de pátios limitada. Os aeroportos de Guarulhos, Catarina e Jundiaí são distantes demais das áreas centrais da cidade de São Paulo, fazendo com que seus usuários gastem tempo excessivo no trânsito – em geral, maior do que o tempo de voo. Esses fatores fazem com que a limitadíssima infraestrutura aeroportuária de Congonhas seja violentamente disputada pelos dois segmentos da aviação que lá operam: linha aérea regular e aviação de negócios.

Por tais motivos, o leilão da sétima rodada, em especial o do bloco que inclui o aeroporto de Congonhas, deve atrair grandes operadores aeroportuários interessados em explorar ao máximo a escassez da infraestrutura aeroportuária paulistana. É uma situação bem diferente daquela vista na maioria dos demais aero- portos concedidos ou em processo de concessão: nestes, é possível acomodar sem grandes dificuldades a aviação geral e a comercial regular e, ainda por cima, aumentar a oferta, caso a demanda assim o exija. Só em Congonhas existe a tempestade perfeita para a aviação de negócios, composta por estudos de viabilidade que orientam o futuro concessionário a vocacionar o aeroporto para a linha aérea regular; falta de políticas públicas para a aviação com regras claras para as concessões; e a extrema escassez de recursos de infraestrutura.

RESULTADO PREVISÍVEL

Como acertadamente disse Adam Smith, “o óleo do interesse próprio manterá as engrenagens funcionando de maneira quase milagrosa” – o que significa que, em sendo possível, os agentes econômicos irão sempre buscar o melhor resultado financeiro ao alcance. Não é milagre (ou “quase milagre”), é a planilha do computador que revelará ao futuro concessionário de Congonhas que a aviação comercial tem muito mais potencial de retorno financeiro do que a aviação geral. Metro quadrado por metro quadrado de pátio, avião por avião pousando e decolando na pista, e passageiros por passageiro transitando nos terminais e hangares, para o concessionário, a melhor maneira de explorar a escassa infraestrutura de Congonhas é dedicá-lo à linha aérea o máximo possível. Vocacioná-lo seria, de fato, a alternativa ideal para o novo operador de Congonhas, como “sugere” o EVTEA.

Ocorre que Congonhas não é uma mera máquina de fazer dinheiro: trata-se de uma infraestrutura pública que, desde 1936, atende à toda aviação brasileira, indistintamente, inclusive à aviação de negócios. O fazendeiro do Mato Grosso mantém seu avião para se deslocar para compromissos em São Paulo, capital: se fosse para pousar em Jundiaí, talvez fosse mais vantajoso comprar um bilhete de linha aérea. O doente que usa o transporte aeromédico talvez não suportasse o trajeto da ambulância de Guarulhos até um hospital na Zona Sul. E o empresário que viaja a Ribeirão Preto para fechar um negócio vai preferir ir de carro a gastar uma hora e meia no trânsito para decolar do Aeroporto Catarina, em São Roque, o que vai resultar praticamente no mesmo tempo de deslocamento. Congonhas é indispensável para a aviação de negócios de todo o país, não só para as aeronaves nele baseadas.

* O piloto e administrador de empresas Raul Marinho é consultor aeronáutico especializado em aviação de negócios e prestador de serviços para a Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), onde exerce a função de gerente técnico.

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